Todos os dias, ao nascer do sol, um jovem da aldeia colhia frutas frescas nos arredores e subia até o topo de uma montanha esquecida. Seu destino era sempre o mesmo: um leito de pedra coberto por musgos antigos, onde repousavam as costelas arqueadas de uma criatura colossal.
As ossadas, incrustadas entre as rochas, eram tão grandes que o jovem podia se sentar entre elas como quem se abriga sob um arco natural. Ali, sentia-se pequeno — não de maneira humilhante, mas de forma serena. Observava, em silêncio, a vasta vegetação abaixo e o rio serpenteando a floresta como uma serpente líquida, brilhando sob o sol.
“Que criatura magnífica foi essa?”
Era um ritual silencioso. A cada dia, o jovem partilhava suas frutas com o silêncio e com as lembranças do que jamais presenciou. Era como se honrasse um deus extinto.
Então, numa noite de verão, o céu se rompeu.
Uma luz intensa rasgou os céus e caiu além das montanhas. Durante horas, uma coluna brilhante subia das florestas para as estrelas, até que a noite engoliu a cor do mundo. O céu azul foi perdendo sua graça. Em dias, tornou-se cinza. Em semanas, pálido. E o silêncio da floresta se tornou mais espesso.
Mesmo assim, o jovem subia.
Naquela manhã em especial, carregava sua combuquinha com as frutas mais belas que encontrara. Subiu até o mesmo lugar de sempre, mas o que encontrou não foi o habitual descanso.
As ossadas haviam desaparecido.
No lugar onde antes jaziam os enormes ossos, havia agora uma fenda profunda nas pedras, larga e escura como a boca de um antigo espírito. O jovem parou, surpreso. Piscou os olhos. Coçou a cabeça.
— Bom... vou me sentar aqui mesmo — disse, despreocupado.
O silêncio permaneceu, mas havia algo diferente. O vento assobiava como se murmurasse palavras esquecidas. O musgo parecia mais frio. O chão, mais vivo.
Quando já se preparava para partir, ouviu um som grave — um estalo abafado, como rochas rachando sob pressão.
Então, ele a viu.
Uma criatura colossal, reptiliana, saiu da floresta como se brotasse do tempo. Tinha olhos amarelos como ouro envelhecido, escamas que refletiam tons de verde e azul, e dentes que pareciam punhais de marfim. Cada passo fazia o chão tremer levemente.
O jovem caiu de joelhos. Reconheceu.
Era ela.
A criatura que jazia morta por eras agora respirava diante dele. Não sabia como. Não sabia por quê. Apenas sentia — como quem reencontra um velho amigo que jamais conheceu.
O monstro se aproximou. Cheirou as frutas. Encarou o jovem com olhos que carregavam eras.
E então, num único movimento, o envolveu com o corpo escamoso.
Nunca mais voltou para casa.
Alguns dizem que ele foi devorado. Outros, que se tornou parte da criatura. Mas há quem acredite que ele foi escolhido. Um novo guardião para a fera ressuscitada. Um elo entre o passado e o presente.
E até hoje, em noites sem lua, é possível ver uma silhueta solitária entre os ossos da montanha... colhendo frutas e sorrindo para os céus que já não brilham como antes.
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